sexta-feira, 17 de julho de 2009


Culpa?!?!?!

O sangue já lhe escorria a face, e a respiração era ofegante e complicada: nariz quebrado. Perdera dois incisivos, o celular e a esperança. Acuado na lixeira desesperou-se ao ver o combustível chegando, seria vítima da contemporânea inquisição da comunidade. Entre o choro compulsivo e os gritos de piedade conseguia-se ouvir os murmúrios de uma oração. Senhoras de idade avançada não agüentavam observar um fim de vida tão cruel e tão aclamado pelos jovens, que assistiam eufóricos ao castigo. Os olhos abertos e vidrados das crianças mesclavam em direções opostas, de um lado o algoz apoiado e incentivado por uma mulher em período de gestação avançada e que trazia em seu colo uma pequena criança sem roupa, e do outro lado o futuro cadáver. Um homem deselegantemente trajado com terno e gravata levanta um bíblia e pula para o meio do palco chamando a atenção de todos os espectadores, ajoelha-se e grita.
-Sangue de Jesus tem poder! Jesus, segura a mão desse irmão!
Talvez a salvação tenha chegado por intermédio da prece do moribundo ou da presença do sagrado papiro ou ainda do puro azar do homicida. Sirenes e luzes, tiros para o alto, correria total. Salvo por um telefonema. Sujo de gasolina, sangue e lágrimas o elemento é amparado pelos homens da lei.
Passaram-se dias e dias e dias. Já tinha outra vida e essa era a nova ordem. Era um novo homem, freqüentador assíduo da igreja do seu novo bairro em sua nova cidade, casado um uma mulher do lar, tinha agora um enteado, um filho na barriga, e o que julgava mais importante a libertação do álcool. Trabalhador padrão do mercadinho local era querido pelos clientes e pelo patrão. Politicamente correto nas opiniões colocadas diante de enquetes dúbias, ponderado, educado, responsável, sociável e um bom chefe de família. As prazerosas chuteiras há tempos estavam penduradas, mas não deixava de levar o enteado no campinho de futebol aos domingos, o sonho do garoto era ser goleiro.
Ao voltar da igreja com a família naquela noite tudo era cotidiano e feliz, mas esta harmonia não demoraria. Ao virar uma esquina encontrou o Capeta, sim o Capeta, mais precisamente Pedrinho Capeta. A mulher e a criança não compreenderam a reação do acompanhante. Ele parou de falar e tremeu curvando-se para a direita como se uma agulha quente lhe fosse enfiada na espinha, mudo suou frio, e esbugalhou os olhos, seu pulmão parou e não conseguiu engolir a saliva. Essas reações duraram apenas dois segundos, tempo necessário para o seu antigo algoz sacar a arma da cintura e disparar quatro tiros de revolver no rosto de Batista. A mulher gritou como quem quer expulsar a alma pela boca, enquanto o corpo caía e o sangue voava. O assassino correu e ouviu-se o cantar dos pneus. A mulher continuava a gritar com as duas mãos na cabeça, segurando com força os cabelos, um pouco acima das orelhas, e o menino debruçado sobre o corpo sem vida berrava chorando.
-Paaai...Paaai...num morre não...Paaai!
Após horas Pedrinho Capeta chega a sua humilde morada. Sua anosa mãe o aguarda acordada, junto com os outros familiares. A carismática senhora lhe indaga. E o bom filho responde.
-Foi pro inferno mainha.
A matriarca cerra os punhos, levanta os braços para o alto, fecha os olhos e dispara.
-Graças a Deus!Graças a Deus! Muito obrigada meu filho.
Toda a família se abraça e chora de alegria. Agora todos eles já poderiam dormir em paz. Finalmente foi vingada a doce menina de puros dez anos de idade, sobrinha de Capeta, que fora estuprada e morta por Batista.

Gordack

2 comentários:

  1. A crudeza das coisas, passam por uma realidade dúbia, onde os sentimentos se confundem, numa inglória jornada, e ainda agradecem ou maldizem, ditames da vingança, como se fácil parecesse, atribuir a Deus, ou seja lá que entendidade, destas tantas por ai idolatradas. Melhor nesta situação ser ateu, do que judeu. rsrsrsrs...
    Abraços poeta. e viva che!!!!

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  2. Azeitado as tantas,com muitas azeitonas na cabeça

    Queiros Beirola.

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